domingo, 20 de janeiro de 2008

A indisciplina extrapola a escola


Artigo publicado no jornal Mundo Jovem, Porto Alegre, PUCRS, n.329, p.10, ago.2002.

Lucília Coimbra*

Nos últimos tempos, a indisciplina escolar vem inquietando educadores de todo o país, tornando-se, para as instituições de ensino, um enorme desafio permeado de muitas complexidades. E o que vem a ser essa indisciplina? A falta de limites, o desrespeito aos direitos dos outros, incompreensão das regras de convivência e a falta de solidariedade, atitudes que não combinam com a atividade em grupo. Trata-se de um problema, ou da sinalização de problemas, que ocorre com alunos de diferentes níveis sociais, na escola pública ou particular.

Antes de se caracterizar o jovem como "indisciplinado" ou "rebelde", melhor é analisar as condições e o momento em que ocorrem os atos ditos indisciplinares. É importante perceber que variados fatores podem provocar manifestações contrárias ao bom senso e às regras necessárias a um trabalho realizado em grupo. Questionar as razões que motivam tais atitudes pode despertar para o levantamento do diagnóstico e, na seqüência, determinar a solução de continuidade do problema que se apresenta.

Os valores vêm antes

Nota-se que a principal dificuldade dos professores refere-se à ausência da família no acompanhamento do processo educacional. A família é um núcleo fundamental na formação dos seres para o convívio social e tem um papel que só a ela cabe: introduzir as primeiras lições de cidadania e de respeito ao próximo, além de demonstrar exemplos de condutas adequadas. São esses valores éticos, anteriores à etapa de escolarização da criança, que permitirão que ela se torne capaz de conviver harmonicamente com outras pessoas, obedecendo aos princípios da responsabilidade, solidariedade, reconhecimento dos direitos dos outros e compreensão de regras comuns.

Se a família não fornece esses valores, fica a cargo da escola, mais especificamente do professor, assumir tal responsabilidade. Como mediar conhecimentos, trabalhar com as habilidades de ouvir e falar, prestar atenção às diferenças, oportunizar manifestações pertinentes e acompanhar a assimilação das abordagens, em salas de aulas superlotadas? E não é só isso, para manter-se atualizado e desenvolver aulas melhores, o professor precisa acompanhar as transformações pelas quais passa o mundo e conhecer a realidade econômica, social, política e cultural do país. Portanto, precisa de mais tempo para leituras, planejamento e preparação de material, atividades comprometidas pelo estresse da indisciplina que é obrigado a enfrentar.

Abrindo a escola

Deve-se considerar que o conhecimento está presente em todos os lugares e não somente no âmbito escolar, como se acreditava em épocas passadas. O aluno ia à escola para aprender, e o professor, para ensinar. Essa relação espacial restrita passou a se modificar com o desenvolvimento das sociedades, dos meios de comunicação de massa e do avanço tecnológico. Hoje, muitas instituições educacionais ainda permanecem centradas em si mesmas, o que impede maior abertura para o diálogo, o consenso e para uma postura menos tradicional e mais progressista.

Esses fatores são preponderantes na relação de ensino e de aprendizagem. Sabe-se que os alunos gostam de aprender, têm curiosidade, mas não suportam a imposição do conhecimento. Eles precisam ser estimulados e a forma de aprendizagem deve ser prazerosa. Os jovens atuais não agüentam a dobradinha giz e quadro, recursos que deixam a desejar na era em que a comunicação se processa com rapidez e se modifica com velocidade, aumentando as possibilidades de aprendizagem longe do espaço escolar.

E esse espaço, que deveria ser o centro da criação, da divulgação de idéias e de grandes contribuições para as comunidades onde se encontra, torna-se cansativo, repetitivo, insuportável. Então, "vamos bagunçar para chamar a atenção". Portanto, pôr fim à indisciplina escolar requer visão, mas também ação. Só que de forma conjunta. Com a participação ativa da família, com a conscientização do indivíduo e com a transformação da escola. Esses segmentos não podem atuar de maneira dissociada, porque o que está em jogo é a preparação de pessoas para o exercício da cidadania na sociedade.


* Especialista em Estudos Lingüísticos e Literários pela Universidade Federal da Bahia, revisora de textos para publicações diversas e docente da rede oficial de ensino da Bahia. E-mail: lucoimbra2001@gmail.com

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