sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Diversidade lingüística na escola


Artigo publicado no jornal Gazeta Mercantil. Cad. Bahia, 26 mar. 2001, p. 2

Lucília Coimbra*

O tratamento que os livros didáticos dispensam à abordagem dos aspectos gramaticais segue a linha normativa com pouquíssimas possibilidades de discussão sobre a variedade não-padrão da língua. Esse ponto deve ser cuidadosamente observado pela escola que, muitas vezes, adota livros cujo teor está distante da realidade lingüística do aluno, porque não encontra disponível um material acessível, capaz de atender à necessidade de sua clientela.

Ao professor da língua materna fica a responsabilidade de encontrar formas de mostrar aos alunos as diferenças dialetais, conscientizando-os dos distintos modos de falar, para que possam adotar um estilo próprio de expressão. Mas se o professor desconhece as regras do português popular, embora o utilize, sem perceber, também não a notará na linguagem do aluno, fato que pode dificultar a identificação do emprego da regra não-padrão.

O trabalho com a variedade lingüística dos alunos, embora ainda não esteja estabelecida uma política lingüístico-educacional, é de grande importância, mas boa parte do professorado não tem formação lingüística, o que o impede de compreender as variedades da língua, como também o valor que elas possuem como sistemas estruturados e coerentes e que, socialmente, uma variedade é mais prestigiada que a outra.

A posição radical freqüentemente adotada frente ao usuário do dialeto de menor prestígio não o levará a adquirir a variante-padrão e adotá-la em suas mais diversas situações de comunicação. Inferimos que, se a escola mudar o seu procedimento, conseguirá estabelecer uma melhor compreensão da diversidade lingüística, valorizando todos os dialetos com o intuito de evitar a discriminação dos falantes da variedade não-padrão, o que poderá amenizar certas situações constrangedoras que esses falantes enfrentam, pois vivemos em uma sociedade em que o preconceito lingüístico ainda é bastante intenso. A própria instituição escolar ainda não tomou consciência de que a variedade padrão é dotada de maior prestígio por razões históricas e sociológicas e não por questões lingüísticas, portanto esse é mais um motivo para que se amplie a sua visão em relação ao uso da língua na escola.

No campo da sociolingüística já existe uma proposta de trabalho denominada bidialetalismo que reconhece as duas variedades lingüísticas. Com base no bom resultado do ensino bilíngüe, a educação bidialetal tem como princípio considerar como legítimo o dialeto não-padrão, mas também propiciar o ensino da variante-padrão para que o falante empregue um e outra nos contextos adequados.

Segundo os pesquisadores, a adoção dessa política trará melhor proveito a alunos procedentes de áreas distantes, como a zona rural e periferia dos centros urbanos, que têm pouco contato com a variedade lingüística padrão. Iniciativas dessa natureza podem concorrer para minimizar a situação, pois o trato adequado e respeitoso às diferenças dialetais irá contribuir para uma melhor atuação escolar do aluno, afastando alguns fatores que provocam o baixo rendimento, evasão, alto índice de repetência e, conseqüentemente, gerando mais interesse, segurança e estímulo, o que possibilita uma melhor integração entre o aluno, a escola e a sociedade.

É importante que se discuta sobre os aspectos que contribuem para a ocorrência da variação lingüística e o tratamento que a escola dispensa à questão, quando não leva em consideração as diferenças dialetais presentes em qualquer língua. As pesquisas sociolingüísticas apontam para as transformações que beneficiarão, principalmente, os educandos que não apresentam familiaridade com o domínio padrão da língua cujo acesso só têm os segmentos mais próximos dos centros urbanos ou áreas geográficas mais desenvolvidas. A proposta da educação bidialetal é legitimar as duas variações lingüísticas, levando ao aluno o conhecimento da variante-padrão, ao tempo que reconhece o dialeto não-padrão. Dessa forma, fatores que contribuem para o baixo rendimento escolar, repetência e evasão podem ser banidos das instituições de ensino.

*Especialista em Estudos Lingüísticos e Literários pela Universidade Federal da Bahia, revisora de textos para publicações diversas e docente da rede oficial de ensino da Bahia. E-mail: lucoimbra2001@gmail.com

domingo, 20 de janeiro de 2008

A indisciplina extrapola a escola


Artigo publicado no jornal Mundo Jovem, Porto Alegre, PUCRS, n.329, p.10, ago.2002.

Lucília Coimbra*

Nos últimos tempos, a indisciplina escolar vem inquietando educadores de todo o país, tornando-se, para as instituições de ensino, um enorme desafio permeado de muitas complexidades. E o que vem a ser essa indisciplina? A falta de limites, o desrespeito aos direitos dos outros, incompreensão das regras de convivência e a falta de solidariedade, atitudes que não combinam com a atividade em grupo. Trata-se de um problema, ou da sinalização de problemas, que ocorre com alunos de diferentes níveis sociais, na escola pública ou particular.

Antes de se caracterizar o jovem como "indisciplinado" ou "rebelde", melhor é analisar as condições e o momento em que ocorrem os atos ditos indisciplinares. É importante perceber que variados fatores podem provocar manifestações contrárias ao bom senso e às regras necessárias a um trabalho realizado em grupo. Questionar as razões que motivam tais atitudes pode despertar para o levantamento do diagnóstico e, na seqüência, determinar a solução de continuidade do problema que se apresenta.

Os valores vêm antes

Nota-se que a principal dificuldade dos professores refere-se à ausência da família no acompanhamento do processo educacional. A família é um núcleo fundamental na formação dos seres para o convívio social e tem um papel que só a ela cabe: introduzir as primeiras lições de cidadania e de respeito ao próximo, além de demonstrar exemplos de condutas adequadas. São esses valores éticos, anteriores à etapa de escolarização da criança, que permitirão que ela se torne capaz de conviver harmonicamente com outras pessoas, obedecendo aos princípios da responsabilidade, solidariedade, reconhecimento dos direitos dos outros e compreensão de regras comuns.

Se a família não fornece esses valores, fica a cargo da escola, mais especificamente do professor, assumir tal responsabilidade. Como mediar conhecimentos, trabalhar com as habilidades de ouvir e falar, prestar atenção às diferenças, oportunizar manifestações pertinentes e acompanhar a assimilação das abordagens, em salas de aulas superlotadas? E não é só isso, para manter-se atualizado e desenvolver aulas melhores, o professor precisa acompanhar as transformações pelas quais passa o mundo e conhecer a realidade econômica, social, política e cultural do país. Portanto, precisa de mais tempo para leituras, planejamento e preparação de material, atividades comprometidas pelo estresse da indisciplina que é obrigado a enfrentar.

Abrindo a escola

Deve-se considerar que o conhecimento está presente em todos os lugares e não somente no âmbito escolar, como se acreditava em épocas passadas. O aluno ia à escola para aprender, e o professor, para ensinar. Essa relação espacial restrita passou a se modificar com o desenvolvimento das sociedades, dos meios de comunicação de massa e do avanço tecnológico. Hoje, muitas instituições educacionais ainda permanecem centradas em si mesmas, o que impede maior abertura para o diálogo, o consenso e para uma postura menos tradicional e mais progressista.

Esses fatores são preponderantes na relação de ensino e de aprendizagem. Sabe-se que os alunos gostam de aprender, têm curiosidade, mas não suportam a imposição do conhecimento. Eles precisam ser estimulados e a forma de aprendizagem deve ser prazerosa. Os jovens atuais não agüentam a dobradinha giz e quadro, recursos que deixam a desejar na era em que a comunicação se processa com rapidez e se modifica com velocidade, aumentando as possibilidades de aprendizagem longe do espaço escolar.

E esse espaço, que deveria ser o centro da criação, da divulgação de idéias e de grandes contribuições para as comunidades onde se encontra, torna-se cansativo, repetitivo, insuportável. Então, "vamos bagunçar para chamar a atenção". Portanto, pôr fim à indisciplina escolar requer visão, mas também ação. Só que de forma conjunta. Com a participação ativa da família, com a conscientização do indivíduo e com a transformação da escola. Esses segmentos não podem atuar de maneira dissociada, porque o que está em jogo é a preparação de pessoas para o exercício da cidadania na sociedade.


* Especialista em Estudos Lingüísticos e Literários pela Universidade Federal da Bahia, revisora de textos para publicações diversas e docente da rede oficial de ensino da Bahia. E-mail: lucoimbra2001@gmail.com